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ARTIGOS

NOSSAS CRIANÇAS ESTÃO ADOECENDO
25/01/2021
ANA CRISTINA GONSALVES
PSIQUIATRA DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA 

Com mais de 20 anos atendendo crianças e adolescentes, percebo mudanças no perfil dos pacientes do meu consultório nos últimos meses. Os relatos de pais e mães angustiados, que não sabem o que fazer, pois seus filhos não são mais os mesmos. Crianças e adolescentes até então com desenvolvimento normal e sem sinais prévios de alterações do comportamento ou emoção, estão mais nervosos, ansiosos, inquietos, inseguros e apáticos. Alguns tornaram-se agressivos e não dormem à noite, ficam por horas em jogos eletrônicos e todo tipo de tela, não brincam, não conversam, não comem (ou comem excessivamente), gritam, choram, se trancam no quarto, querem fugir, querem matar, querem se matar.


Tenho observado a cada dia mais quadros de distúrbios do sono, transtornos de ansiedade, crises de pânico, transtornos alimentares, isolamento social, abuso de álcool, violência doméstica das mais variadas, crianças e adolescestes se mutilando, tentativas de suicídio.


Já recebia casos semelhantes, mas eles aumentaram exponencialmente quando comparados às queixas de dificuldades de aprendizagem, atrasos do neurodesenvolvimento, da fala ou desatenção, antes muito mais frequentes. A pandemia e seus desdobramentos certamente se mostram como fator ambiental importante nessas mudanças, sendo a falta da rotina escolar o principal dentre eles. Além das questões acadêmicas (nada substitui a sala de aula), crianças e adolescentes estão sendo privados do convívio social no ambiente que atua como coadjuvante na formação do indivíduo, importante para o desenvolvimento das habilidades e competências sociais, da autonomia e da independência: a escola.


Além das crianças neurotípicas, há também um prejuízo imensurável para as crianças com desenvolvimento atípico, portadoras de Transtornos do Espectro Autista, Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção, Distúrbios de Aprendizagem ou deficiências de toda natureza - sensoriais, motoras ou intelectuais.


Em junho/2020 o departamento da Psiquiatria da Infância e Adolescência da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) liberou um comunicado aos profissionais da área prevendo o impacto negativo da pandemia na saúde mental das crianças e adolescentes.

 

Em dezembro/2020 Debates em Psiquiatria, periódico da ABP, publicou um artigo de revisão sobre o impacto sócio emocional decorrente do fechamento das escolas na pandemia. 


As Sociedades estaduais de Pediatria já vêm discutindo o tema desde o segundo semestre do ano passado e se posicionam favoravelmente ao retorno das aulas presenciais.


Recentemente, a revista Pediatrics, publicação oficial da Academia Americana de Pediatria, apresentou resultado de pesquisa onde a utilização de métodos de prevenção à contaminação por COVID-19 (uso de máscaras, distanciamento físico e higiene das mãos) contribuiu para baixas taxas de contaminação e transmissão secundária em escolas, não causando uma maior carga de infecção na comunidade, indicando inclusive que as escolas possam reabrir com segurança se desenvolverem e aderirem às  políticas específicas de prevenção da SARSCoV-2.


É necessário lembrar que:
⁃ As crianças em geral manifestam poucos ou nenhum sintoma, apresentam menor carga viral e transmitem menos quando comparadas aos adultos;
⁃ A taxa de internação também é muito baixa e, quando ocorrem, a grande maioria são casos de crianças imunossuprimidas ou com doenças crônicas, mais suscetíveis a quadros virais ou infecções.
⁃ A taxa de mortalidade de crianças e adolescentes é baixa - os EUA registram 0,1%, enquanto uma pesquisa no Brasil ficou em 0,7% do número total de óbitos por COVID.


Por mais que as famílias tenham se empenhado em manter uma rotina de estudos, o aprendizado não foi o mesmo, mas o maior prejuízo não é acadêmico. As repercussões emocionais e comportamentais da privação das atividades em ambiente escolar nos indivíduos em desenvolvimento são catastróficas, pois podem ser o início de transtornos mentais graves e de evolução crônica.


Um modelo híbrido de ensino, em que as famílias possam ter a opção de escolher se querem ou não seus filhos frequentando a escola de forma presencial é o caminho. Cada criança tem uma necessidade, uma realidade diferente, sejam típicas ou atípicas. 


Além de todas as limitações que a pandemia nos impõe, privar nossas crianças e adolescentes de todos os estímulos que a escola pode oferecer é, no mínimo, imprudente.

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